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Prato do pobre vazio: arroz e feijão somem da mesa do brasileiro

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

O arroz e o feijão, dupla que durante décadas simbolizou a base da alimentação do brasileiro, estão desaparecendo aos poucos do prato das famílias. Segundo dados da Embrapa, o consumo médio per capita de arroz beneficiado caiu para cerca de 28,5 quilos por habitante ao ano, enquanto o de feijão não ultrapassa 13,2 quilos. São números historicamente baixos, que colocam o país em seu menor patamar desde a década de 1960. O que antes era sinônimo de sustento diário e equilíbrio nutricional, hoje se torna item de luxo em muitas casas.

A explicação vai além da inflação e da queda do poder aquisitivo, embora esses fatores tenham peso evidente. O aumento do custo dos alimentos básicos, combinado à desvalorização da renda, tornou o arroz e o feijão menos acessíveis, especialmente para as famílias de baixa renda. Mas há também uma transformação silenciosa nos hábitos e nas condições de vida do brasileiro. A urbanização crescente, a rotina cada vez mais acelerada e o tempo escasso para preparar refeições tradicionais mudaram o perfil da alimentação doméstica.

Nos centros urbanos, onde o ritmo de trabalho e deslocamento consome boa parte do dia, o feijão, que exige preparo longo, tem perdido espaço para opções prontas ou ultraprocessadas. O arroz, antes presença obrigatória em qualquer refeição, vem sendo substituído por massas, pães, batatas e até lanches rápidos, conforme cresce o consumo de alimentos industrializados. De acordo com pesquisas domiciliares do IBGE, a aquisição de arroz e feijão pelas famílias diminui de forma constante desde o início dos anos 2000, com maior intensidade entre os mais jovens e nas grandes cidades.

Há também uma mudança cultural em curso. Em parte da população, especialmente entre os mais escolarizados, há uma busca por dietas alternativas, influenciadas por modismos alimentares ou pela percepção de que a dupla tradicional é “comum demais”. Ao mesmo tempo, a publicidade e o avanço das redes de fast food reconfiguraram o imaginário do que se entende por “refeição”. O prato feito de arroz, feijão e acompanhamento perdeu prestígio frente à praticidade e ao apelo visual das comidas prontas.

Outro fator é o tempo, ou a falta dele. A transformação no perfil das famílias, com mais pessoas vivendo sozinhas e mais mulheres inseridas no mercado de trabalho, reduziu a disponibilidade de quem tradicionalmente se dedicava ao preparo doméstico. A cozinha se tornou espaço secundário em muitos lares, e a panela de pressão, um objeto quase esquecido. O feijão, que antes cozinhava por horas no fogão, agora compete com o micro-ondas.

O resultado dessa mudança é visível na mesa e na saúde. O feijão é uma das principais fontes de proteína vegetal e ferro, enquanto o arroz fornece energia e equilíbrio nutricional. A substituição desses alimentos por produtos ultraprocessados, ricos em sódio, gordura e açúcar, tem contribuído para o aumento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. O que era uma refeição simples e completa passou a ser substituído por calorias vazias e porções artificiais.

Além da questão alimentar, há uma perda simbólica. O arroz com feijão faz parte da identidade nacional, representa memória, partilha e afeto. Ver essa combinação deixar de ser regra e tornar-se exceção é também testemunhar o enfraquecimento de uma cultura alimentar que resistiu por séculos. A mesa do pobre, antes farta na simplicidade, agora revela o vazio de um país que vê seu alimento básico se afastar do cotidiano.

A Embrapa alerta que, sem políticas públicas voltadas à produção e ao consumo desses alimentos, a tendência é de queda contínua. O custo de produção agrícola, os eventos climáticos extremos e a falta de incentivos à agricultura familiar contribuem para encarecer o produto. Em regiões mais vulneráveis, onde o prato de arroz e feijão era garantia mínima de nutrição, a substituição por alimentos mais baratos e menos saudáveis é hoje uma triste realidade.

A perda desse hábito alimentar não é apenas estatística: é um retrato social. Quando o arroz e o feijão somem do prato do brasileiro, o que se revela não é apenas a mudança de gosto, mas o agravamento da desigualdade. No país que ainda convive com a fome, a ausência dos alimentos mais básicos é um sinal de alerta sobre o que de fato se tornou o cotidiano: o prato do pobre está, literalmente, cada vez mais vazio.

 

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