Em ao menos três denúncias, o Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC) apontou a existência de um “suposto grupo econômico” comandando contratos milionários com a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB).
Em um documento, encaminhado ao Tribunal de Contas do DF (TCDF), em maio de 2025, o órgão fiscalizador indicou um suposto “conluio” ocorrendo em licitações organizadas pela TCB, o que tem ocasionado possível “quebra da isonomia no certame” e o descumprimento do “caráter competitivo” ainda em sua “fase preparatória”.
“O possível caráter fraudulento das empresas que concorreram e firmaram contratos junto ao Poder Público demonstra que o suposto grupo econômico, formado por empresas societárias de transporte escolar, permanece atuando no âmbito do Distrito Federal”, ressaltou o Ministério Público de Contas.
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A denúncia faz parte de uma representação que analisou dois contratos firmados pela TCB com a Rodoeste Transporte e Turismo LTDA, em 2024. Segundo o Portal da Transparência, figuram como sócios da Rodoeste o empresário Pedro Henrique Veiga de Oliveira e Ana Rosa de Oliveira.
Pedro é filho do também empresário Ronaldo de Oliveira – condenado por integrar um esquema de lavagem de dinheiro público. Ana, por sua vez, é mãe de Ronaldo.
A segunda empresa a oferecer o menor preço no contrato emergencial foi a Izabely Transportes e Comércio de Alimentos. A companhia pertencente a Izabely de Paula Costa, cunhada de Pedro Henrique e nora de Ronaldo.
“Há anos, a alternância de empresas responsáveis pelo serviço de transporte estudantil no DF se limita àquelas frequentemente questionadas pela Corte de Contas. Os motivos são semelhantes: redução da competitividade, evidenciada pela presença de vínculos de parentesco entre membros dos quadros societários e envolvendo parte considerável das empresas interessadas nos processos de contratação”, detalhou o MPCDF.
Contratos em família
Desde 2023, o Metrópoles tem denunciado o controle de contratos milionários na TCB por parte de empresas familiares. À época, ao menos oito empresários do ramo de transportes, com sobrenomes semelhantes, certo grau de parentesco ou até mesmo sociedades firmadas, foram contemplados em licitações com a pasta.
Além da Rodoeste e da Izabely Transportes, pertencentes a parentes de Ronaldo, a Oliveira Transportes e Turismo – gerida por Soraya Gomes da Cunha, esposa do empresário – também mantém licitação com a pasta.
“A violação aos princípios que norteiam a Administração Pública, especialmente a isonomia, a impessoalidade, a ampla competitividade, o interesse público, a legalidade e a moralidade, ocorre de maneira grave quando empresas com quadros societários compostos por parentes participam do mesmo processo licitatório”, disse o MPC.
Segundo o órgão fiscalizador, “a participação conjunta dessas empresas na licitação compromete, de forma direta, a integridade desses procedimentos e o alcance dos objetivos da Administração Pública, que visam garantir a escolha da proposta mais vantajosa para a sociedade”.
Vínculos com ex-presidente da TCB
Na mira de órgãos de fiscalização, a TCB era presidida pelo pastor Chancerley de Melo Santana até 5 de maio, quando ele pediu exoneração do cargo. A solicitação se deu dias após o Metrópoles noticiar que ele é réu por estupro de vulnerável.
Com passagens pelo serviço público, o líder religioso chegou a atuar no gabinete de um ex-deputado distrital, fundador da Coopercam. Essa empresa ganhou uma licitação da TCB durante a gestão de Chancerley. No mesmo período, inclusive, a companhia do filho do parlamentar firmou contrato milionário com a Sociedade de Transportes Coletivos.
Fundada pelo ex-distrital Valdelino Barcelos, a Coopercam foi contemplada em um processo licitatório, com assinatura do contrato em 2021 – quando o então parlamentar presidia a Comissão de Transporte e Mobilidade na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
Atualmente, a Coopercam é dirigida por Edimar Rosa de Souza. Em outubro daquele ano, após ser destituído da Presidência da TCB, Chancerley se tornou secretário da comissão e, mais tarde, foi nomeado no gabinete de Valdelino, onde recebia salário superior a R$ 16 mil.
Na mesma licitação, uma empresa do filho de Valdelino, Flávio Rodrigues Barcelos, também foi contemplada: a FCB Transporte Logística. Além disso, uma segunda, vinculada a um parente de Edimar e registrada em nome de Wagner Rosa de Souza, a Natural Logística em Transporte LTDA., fechou contrato com a TCB na mesma data.
Em janeiro de 2023, Chancerley retornou à presidência da TCB, com remuneração básica de R$ 11.893. No mês seguinte, o pagamento subiu para R$ 12.742. Em maio, o vencimento chegou a R$ 18.040. Em agosto, um novo reajuste fez o salário chegar a R$ 22.550 – um aumento de 89,6% em oito meses.
Defesa
Após a publicação da reportagem, a TCB comunicou que “todas as contratações emergenciais citadas” se deram “em estrita observância à legislação vigente”.
“Especialmente no que dispõe a Lei nº 13.303/2016, […], que trata das hipóteses de dispensa de licitação em casos de emergência. As contratações foram fundamentadas em situação emergencial devidamente reconhecida e atestada pelas áreas técnica e jurídica da empresa”, ressaltou a companhia.
A TCB acrescentou que “os processos contaram com análise criteriosa das propostas apresentadas, com verificação da regularidade documental das empresas participantes por meio de bases oficiais”.
A empresa afirmou, ainda, que “não foram identificados impedimentos legais que inviabilizassem a celebração dos contratos”. “A TCB reafirma o compromisso com os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e isonomia, bem como com a transparência e o interesse público.”.
“Até o momento, não há nos autos dos processos administrativos quaisquer indícios concretos de conluio entre empresas ou irregularidades que comprometam a lisura das contratações. Ressaltamos, ainda, que as empresas contratadas atuavam na prestação do serviço de transporte escolar no DF anteriormente à assunção dessa atribuição pela TCB, o que reforça a expertise e a capacidade operacional dos fornecedores selecionados”, finalizou.